domingo, 6 de novembro de 2011

Não sou mais humana

O mundo consegue destruir até com alguém mais positivo e otimista. Consegue dar nojo até a pessoa mais compreensiva que nele habita. Consegue tirar do sério até alguém com uma paz invejável.

O homem é o ser mais perigoso para o homem. Fui infectada por muita insistência dessa maldade infinita e comecei a sentir raiva, medo e nojo do meu próprio semelhante. Desejando muitas vezes a própria morte de alguns. Hoje, não sinto nenhum remorso em dizer isso. Fui infectada gravemente.

Talvez sinta tudo isso quanto a mim mesma, me desejando a morte, por fazer parte dessa raça de humanos, por estar no mesmo saco, vivendo da mesma maneira. Sinto vergonha de estar rodeada de pessoas iguais a mim.

Não sentir mais compaixão por ninguém era o que temia e aconteceu.

Deveriam criar um outro nome para nós, os infectados, humanos é que não somos mais. Quanto mais animalesco parecer o nome melhor, porque a vontade é de sair rosnando pra qualquer um que tentar se aproximar, na tentativa de proteger seu espaço, seus objetos e sua vida.

Tentei ser humana num mundo de animais, fui mordida muitas vezes e me curei outras muitas, mas hoje a mordida foi mais profunda e não consegui me sarar.

Muitos dos infectados não se anunciam, dizem-se humanos, já que aparentemente são iguais, por isso aproveitem que a minha confissão e não se aproximem de mim. Eu mordo.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

O Quereres

Onde queres revólver, sou coqueiro
E onde queres dinheiro, sou paixão
Onde queres descanso, sou desejo
E onde sou só desejo, queres não
E onde não queres nada, nada falta
E onde voas bem alto, eu sou o chão
E onde pisas o chão, minha alma salta
E ganha liberdade na amplidão

Onde queres família, sou maluco
E onde queres romântico, burguês
Onde queres Leblon, sou Pernambuco
E onde queres eunuco, garanhão
Onde queres o sim e o não, talvez
E onde vês, eu não vislumbro razão
Onde o queres o lobo, eu sou o irmão
E onde queres cowboy, eu sou chinês

Ah! Bruta flor do querer
Ah! Bruta flor, bruta flor

Onde queres o ato, eu sou o espírito
E onde queres ternura, eu sou tesão
Onde queres o livre, decassílabo
E onde buscas o anjo, sou mulher
Onde queres prazer, sou o que dói
E onde queres tortura, mansidão
Onde queres um lar, revolução
E onde queres bandido, sou herói

Eu queria querer-te amar o amor
Construir-nos dulcíssima prisão
Encontrar a mais justa adequação
Tudo métrica e rima e nunca dor
Mas a vida é real e é de viés
E vê só que cilada o amor me armou
Eu te quero (e não queres) como sou
Não te quero (e não queres) como és

Ah! Bruta flor do querer
Ah! Bruta flor, bruta flor

Onde queres comício, flipper-vídeo
E onde queres romance, rock?n roll
Onde queres a lua, eu sou o sol
E onde a pura natura, o inseticídio
Onde queres mistério, eu sou a luz
E onde queres um canto, o mundo inteiro
Onde queres quaresma, fevereiro
E onde queres coqueiro, eu sou obus

O quereres e o estares sempre a fim
Do que em ti é em mim tão desigual
Faz-me querer-te bem, querer-te mal
Bem a ti, mal ao quereres assim
Infinitivamente impessoal
E eu querendo querer-te sem ter fim
E, querendo-te, aprender o total
Do querer que há, e do que não há em mim


Caetano Veloso